segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017


                                                   ÀG.’. D.’. G.’.A.’.D.’.U.’.


Nietzsche:

Sobre a verdade e a mentira no sentido extra-moral

             De espírito crítico e insaciável, o filosofo de Rockën ( na Alemanha), Friedrich W. Nietzsche ( 1844-1900), assume a tarefa de refletir sobre o conceito de verdade e seu fundamento; a natureza da linguagem, suas funções, seus limites e sua relação com a verdade e a mentira. É uma tarefa um tanto ousada, considerando-se que o filosofo alemão para tanto, terá ate mesmo de desafiar e por em xeque muito do que foi posto pela filosófica ate então, abordando este tema de maneira inovadora e original. Nietzsche inicia sua investigação questionando o estatuto da verdade, a fim de que a verdade, ao se auto questionar, possa assim revelar alguma não-verdade, manifestando por meio deste viés, algo intrigante a respeito de si mesma.
             Para Nietzsche, a filosofia desde os primórdios, não escapou do equivoco de acreditar que a forma fundamental do pensamento correspondesse com exatidão, as palavras que são expressas, e portanto, teria se interessado mais pela dimensão apofântica da linguagem, ou seja, os enunciados verbais passíveis de serem falsos ou verdadeiros, e isto, em virtude de descreverem corretamente ou não o mundo.
             Porem, no que tange natureza da verdade de tais enunciados, Nietzsche apresenta-nos a possibilidade de que, esta verdade dos enunciados, possa de fato, se tratar de uma espécie de engano necessário a sobrevivência do homem. Supondo que a verdade e a mentira possam estar na mesma condição, o filosofo alemão busca com isto, revelar o caráter dissimulador do intelecto humano, e a partir disto, tornar evidente,sua suspeita de que entre o ‘refletir’ e o ‘dizer’ não vigora nenhuma identidade estrutural.
             Neste opúsculo, Nietzsche se propõe a analisar de forma critica a fragilidade do intelecto humano, quando da construção e aprimoramento do conhecimento. Essa fragilidade segundo ele, ocorre devido ao fato de que a atividade intelectual estar sempre suscetível as influências das convenções forjadas pela coletividade, pela imposição do mais forte. Essa adesão do sujeito à sociedade segundo ele, contaminaria e automatizaria o intelecto, levando-o a optar por ‘noções aptas’ a garantir a sua sobrevivência, impelindo-o a “produzir falsificações”.
             A nossa atividade intelectual estaria comprometida e, por conseguinte submissa a modelos lingüísticos cristalizados, repleto de simplificações e abstrações arbitrarias, que acabam por não nos fazer perceber, o efeito dissimulador da linguagem. Com isso, o filosofo chama-nos a atenção, no que tange a questão da natureza das palavras. O que seriam as palavras para Nietzsche?:

” De antemão, um estimulo nervoso transposto em uma imagem! Primeira metáfora! A imagem por seu turno, remodelada num som! Segunda metáfora.”( NIETZCHE,2012,p.31)

             Quanto ao processo de formação da palavra, seria este de caráter duplo, abarcando a seguinte transposição: uma excitação nervosa convertida numa imagem mental; engendraria por sua vez, a transposição de tal imagem, num som articulado.
               Nietzsche, corrobora insistentemente sua tentativa de revelar a limitação e falibilidade das palavras, ao afirmar que, em virtude da palavra ter sido criada com vistas a exprimir uma sensação subjetiva, ela se restringe apenas “ as relações entre as coisas as quais nos referimos e a nos mesmos, e  portanto nunca se referem as coisas em si mesmas. Por isso, essa arrogância que adquirimos através dessa “consciência orgulhosa e enganadora”, se dissipa quanto constatamos que “[...] nada possuímos  senão metáforas  das coisas que não correspondem em absoluto, as essencialidades originais.”(NIETZCHE,2012,p.33)
 No trato constante com as palavras, o homem tende a querer encontrar correlatos para as palavras que veicula, e assim abrevia aquilo que se lhe apresenta, levado pelos sabores das circunstancias, que mais se enquadram em seus interesses. A verdade fica relegada ao segundo plano e o que prevalece neste caso é uma escolha motivada pelo interesse, que se vale da linguagem como recurso, devido ao seu caráter nivelador, que através da igualação do não-igual, atribui valor as coisas. Isto ocorre durante o processo de formação de conceito e linguagem.
              Com isto, Nietzsche quer chamar a atenção a outro aspecto da linguagem, no tocante as palavras e os conceitos que elas designam; através da relação do homem com o mundo, de acordo com seus interesses, suas necessidades, contingenciais e circunstancialidades, a linguagem adquire um caráter móvel e variável, que se estende no tempo e no espaço, subsidiando o potencial criador do homem por intermédio desses recursos que a linguagem proporciona, ou seja, aquilo que Nietzsche irá chamar de:

“[...]exercito móvel de metáforas , metonímias ,antropomorfismos, numa palavra, uma soma de relações humanas que foram realçadas poética e retoricamente.”( NIETZSHE,2012,p.36).

             No entender de Nietzsche, a verdade que as palavras podem nos fornecer seria fruto da engenhosidade humana, que se  utiliza das palavras para a construção de conceito e linguagem, e por isso, através das palavras, o homem apenas reencontraria aquilo que ele mesmo teria posto nelas. Daí a metáfora que Nietzsche se utiliza para exemplificar a natureza da verdade contida nas palavras: quando alguém esconde algo atrás do arbusto, volta a procura-lo lá onde o escondeu e além de tudo o encontra, não há muito do que se vangloriar nesse procurar e encontrar”.( NIETZSCHE,2012,p.39)
             Nietzsche por último, faz referencia a uma espécie de representação anterior a palavra articulada, que se manifestaria como uma espécie de metáfora intuitiva, e poderia ser definida como “uma ancestral remota e fugidia do próprio conceito”, como alternativa de superação da trama das ficções que o próprio homem criou para si; que o levaria a reencontrar assim, não mais a presença imediata das coisas em si mesmas, e sim aquilo que há de mais “inexplorado” na palavra.
              Desse modo, como clara imitação da compreensão do homem acerca da linguagem, a ‘metáfora intuitiva’ surge, senão como a mãe, pelo menos enquanto a mãe da mãe de toda representação conceitual. Em outras palavras, o filósofo alemão propõe a mediação do mito e da arte como forma de superar tais impasses e conduzir a vida de forma plena, viva e autêntica. Isto é, tornando-se senhor de si mesmo através do domínio da arte sobre a vida.
             Em suma, poderia se dizer que: para Nietzsche verdade e mentira não são polos tão opostos quanto parece, mas que podem ser a mesma coisa, o que vai diferenciar a mentira da verdade e vice-versa é a moral, ou o valor moral que as fundamentam, de acordo com a ocasião. Esses valores morais seriam valores criados a partir da visão da classe dominante, uma elite burguesa que institui valores e os impõem sobre os “mais fracos”, a sociedade gregária contemporânea. Para ser aceito no grupo social, o homem já nasce predisposto a adotar os valores que substanciam a verdade imposta “pelos mais fortes” sobre os mais fracos.
            Em Nietzsche, a essência da linguagem é na realidade um jogo da mente criativa do homem, que transpõem estimulo nervoso em conceito articulado por som, na tentativa de referir-se a alguma coisa no sentido de captar a sua essência, mas na verdade ele apenas atribui nome, restrito a um significado subjetivo, que atingi uma universalidade e se cristaliza na sociedade por meio da imposição. Por isso, o filosofo alemão tenta esclarecer que a verdade humana é uma quimera, uma ilusão, um meio que o homem encontrou pra garantir a própria sobrevivência dentro do âmbito da convenção social.
            Para Nietzsche, a arte e o meio mais próprio e autentico de expressar a essência das coisas, devido ao caráter originário da arte, que vai além da linguagem servil de natureza metafisica, transpondo os limites da gramatica através de imagens, sons, expressões corporais e emanações de estados de espirito inconceituáveis e indetermináveis através das palavras, porque são expressões da vida em seu caráter peculiar, em seu modo próprio, enquanto abertura de experiências singulares e tão ricas, que a palavra e conceito falham ao tentar mensurar, tão plenas que, dentro do campo da experiência humana no mundo, é possível dar-se dentro de uma única existência, infinitas formas de existência. Isto implica dizer que, homem enquanto obra de arte de si mesmo, é um ser reticente, que esta sempre aberto, sempre projetando-se para fora de si mesmo, e experimentando o mundo de modos infinitamente diversos, sempre há criar novas formas de existir em uma única e singular existencia.



Referencias:


               NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Sobre Verdade e Mentira no Sentido Extra-Moral. (Org. e Trad. Fernando de Moraes Barros). São Paulo: Hedra, 2007. 

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